domingo, 31 de janeiro de 2010

EXATAMENTE

Não preciso de explicação para tudo na vida. Aliás, preciso de explicações para poucas e boas coisas. Não me faz falta, por exemplo, saber como funciona uma televisão, como a imagem chega à tela, como funciona o motor de um carro, como se constrói um viaduto. Posso perfeitamente viver sem essas explicações.
Mas eu preciso saber por que você me deixou. Por que você fez as malas e partiu? Por que acabou com meus sonhos, meus planos, meus desejos? Por que jogar fora nossa casa nova, as viagens que ainda não fizemos, os filhos que ainda não tivemos? Por que escolheu uma segunda-feira de sol para me deixar?
Desde quando você planejou isso? Durante quantos dias, semanas, meses me olhou pensando em me deixar enquanto eu te olhava pensando em te beijar? Quando exatamente nos perdemos? Quando minhas piadas deixaram de ter graça? Quando minhas manias, durante tanto tempo tão apreciadas por você, começaram a irritar? Quando o fato de eu demorar a pegar a chave na bolsa para abrir o carro começou a tirar sua paciência? Quando o jeito que eu mastigo começou a enervar você? Quando eu deixei de ser a mais bonita, a mais engraçada, a mais espirituosa?
Alguma coisa você precisa me dizer. Porque não se destroem sonhos impunemente. Você pode destruir carros e viadutos, mas não sonhos. Não sonhos os sonhos que sonhamos juntos. Então, tem alguma compaixão e diz aí por que você foi embora. Pára de me enrolar, pára de me torturar e simplesmente diz alguma coisa que sirva para me fazer voltar a viver.
Não tô pedindo para que você me faça novamente sonhar, mas apenas para que eu volte a respirar. Não há no mundo pedido mais singelo. Porque, sem você do meu lado, o ar fica escasso, o peito dói, a respiração encurta. Por que essa coisa que nos dá vida é a mesma que nos mata? Por que o agente do prazer é também o agente da dor? Por que preciso de você para ser feliz?
Nada parece justo na dor, e tudo faz sentido fora dela. Preciso sair e voltar a ser eu. Preciso ver o sol, a lua, o mar. Preciso não precisar de você. Existe algum antídoto para você? Existe uma forma de libertação? No fundo, quero mesmo é te xingar, te punir por parar de me amar. Como você ousou? Como era tão meu numa terça-feira e absolutamente estranho na quarta? Como perdi o livre acesso ao seu corpo, a sua boca, a sua alma? Você entende que essas perguntas sem respostas são as que fazem o ar me faltar? Será que pelo menos isso você consegue entender?
Ah, que vontade de te bater, de te torturar, de te espancar, de te beijar, de te amar. Não quero mais sofrer - não por você. Quero um sofrimento novo, uma dor original, uma melancolia que não tenha a imagem de seu rosto sorrindo em cima de mim na cama.
Quer mesmo saber? Vai embora e me faça o favor de não olhar para trás. Porque, se você olhar, talvez acabe vendo uma cena que, à distância, poderá parecer chocante. Uma cena que, vista do lugar em que você está, desse pedestal para onde vão todos os que matam os sonhos compartilhados, poderá perturbar e até, pode ser, constranger. Uma cena que, no mínimo, vai assustar: a imagem nítida e clara de meu rosto sorrindo. E agora me dá licença, dor estúpida, porque preciso abrir a janela e deixar a luz entrar.

Não sei de quem é este texto. Achei na net e perfeito pro meu momento.

UM AMOR TÃO BOM

Casados eles não pareciam ser - não um com o outro -, e aquele jantar cedo, num restaurante modesto, comum, era muito bom de se ver.
Estavam sentados um em frente ao outro, e parecia claro que não iriam para a mesma casa depois do jantar, não dormiriam nem acordariam juntos. Por isso, talvez, tinham tanto a se dizer -e se diziam. Ela às vezes passava a mão na testa dele, afastando uma mecha de cabelo; daí a pouco ele devolvia o carinho e segurava a mão dela num gesto rápido, isso por cima dos pratos, sem que nada fosse fora de propósito nem inadequado, como nunca são os gestos que saem do coração. Não havia entre eles aquele clima de urgência que precede a ida a um motel, muito pelo contrário; parecia, isso sim, que eles haviam passado a tarde se amando e depois foram a um restaurante, daqueles em que não há risco de encontrar nenhum amigo, para ficarem juntos um pouco mais, o tempo que ainda tinham, sem inquietação, pelo prazer da companhia um do outro.
E os carinhos trocados não eram os da paixão, mas os do amor; de um amor sólido e profundo.Quem mora junto não conversa tanto, olho no olho, porque sabe que tem tempo pela frente: a noite inteira, talvez o resto da vida. Já eles falavam, e os assuntos não eram esses de namorados; falavam de tudo, interessados um no que o outro dizia, trocavam idéias como se fossem dois grandes amigos, o que é raro entre homem e mulher. Ele talvez falasse de um negócio que estava fazendo, ela talvez de um filho (só dela) com problemas; aí, de repente, um carinho -sem olhares melosos, nada. Apenas a necessidade de tocar no outro, só isso. Estavam ali, inteiros, muito próximos e muito seguros.
Ela usava um suéter com um pequeno decote; num determinado momento, ele passou o braço por cima da mesa, botou a mão no ombro dela, escorregou por dentro do suéter pelas costas e ficou uns momentos passando a mão, aquela mão forte de dono, como recordando a tarde que passaram juntos.
Ela não era nem jovem nem linda, nem ele. Eram pessoas absolutamente normais, banais mesmo, daquelas que não chamam a atenção, para quem não se olha duas vezes -talvez nem uma. Mas naquela mesa pequena daquele restaurante banal havia tudo o que uma mulher e um homem podem querer um do outro: confiança, amizade, amor, paixão -mesmo que discreta-, sexo bem resolvido e segurança. Eles iriam se separar daí a pouco, sentiriam falta um do outro, mas sem angústia ou desespero, sabendo que se encontrariam de novo no dia seguinte ou na semana seguinte, confiando no seu próprio desejo e no do outro, porque aquele amor tinha essa coisa tão rara nos amores em geral: era sólido.
Ele pediu a conta, os dois saíram abraçados normalmente; na esquina, ele chamou um táxi para ela, se beijaram rapidamente, ele ficou olhando até o táxi desaparecer, pegou o dele e a noite -eram 9h- acabou por aí.
Acabou é modo de dizer, porque essas noites tão boas não se acabam assim. Ela foi dormir pensando nele, ele pensando nela, e eu pensando neles. Pensando e imaginando quantas pessoas, neste mundo de tantas paixões, vaidades, ansiedades, desvarios, terão tido a sorte de viver um amor assim tão bom.
Não, o amor não é lindo, como se diz banalmente: o amor é muito bonito quando é de verdade, e o deles era.
Danuza Leão