domingo, 20 de setembro de 2009

Muito mais que mau humor

Depoimento de Marina W, escritora e bipolar, para minha matéria sobre bipolaridade escrita para a revista Alto Estilo de setembro/outubro 2009.

“Descobri que sou bipolar há muitos anos. Quando soube, usava-se o termo psicose maníaco-depressiva e foi usando o nome original que o psiquiatra me deu a notícia. Parênteses para dizer que o termo foi trocado nos anos 80, pois a psiquiatria descobriu que nem todas as pessoas que têm o transtorno são psicóticas, ou seja, sujeitas a delírios ou alucinações. E também porque é um nome muito pesado. Assim, foi a minha reação: juntei as três palavras, uma delas que remetia a filme de Hitchcock, outra ao maníaco do parque. Bom, as três palavras tinham conotações terríveis. Fiquei tão petrificada que nem chorei. Já era casada e tinha filhos pequenos.

Me senti uma impostora na sociedade. Não sabia nada sobre o transtorno (não se diz doença), meu médico dizia que era como ter diabete. Não era. Ninguém sussurra para outro: "Olha, aquela ali tem diabete." Ir ao psiquiatra foi uma grande humilhação pra mim, só fui mesmo porque não conseguia falar nada na análise: chorava tanto que meus olhos pareciam duas poças de sangue. O sentimento era de incapacidade absoluta. Eu não entendia nada. Achava que todas as pessoas tinham nascido com um roteiro nas mãos, menos eu. Meu transtorno era do tipo 70% depressão, eram breves os momentos de folga.

E tinha muita vergonha, o que não é bom. Não se deve ter vergonha de uma falha química, um problema de sinapses. Eu só chorava e mais nada. Aos vinte e um anos eu tinha tido uma crise de euforia. É como uma droga permitida por lei: uma delícia. Só mais de uma década depois caí no fundo do poço. É bom dizer que se trata de química e, sem fazer apologia aos remédios, só outra química é capaz de colocar as coisas em ordem. Então, sinto muito dizer que só orações, e coisas do gênero, não fazem a dor passar.

Por incrível que pareça, a mania pode ser mais destrutiva do que a depressão: a pessoa fica sem limites algum em relações as drogas, ao sexo, dinheiro, tudo. Os estragos são os piores possíveis. Tive sorte de ser hipomaníaca. Só diversão.
Bom, dando um pulo no tempo, senão vou acabar escrevendo outro livro. Fui tratada de maneira errada pelos dois psiquiatras que tive antes do meu atual, especialista na doença: o remédio certo para um bipolar é o regulador de humor. Remédio para depressão unipolar faz com que as crises se tornem mais profundas e mais constantes. Fiquei curada. Entre aspas, já que não se fica curado, mas estabilizado. Sinto falta da euforia, mas sei que existe o outro lado da moeda: trata-se de uma doença cíclica. Espero nunca mais voltar pra debaixo do cobertor e ficar aos prantos, com a sensação de não pertencer a este mundo. O mundo está indo de mal a pior. Por isso mesmo precisamos estar atentos e fortes: cuide-se da maneira correta, e seja feliz. É como ter diabete.”


Marina W. é Maria Adriana Rezende, que mantém há 8 anos um dos blogs mais populares da internet (http://marinaw.com.br). Jornalista, trabalhou como redatora da Rede Globo. Também é autora dos livros O Caderno de Cinema de Marina W (Nau Editora) e O Diário de Um Bipolar (Nova Fronteira).

Um comentário:

Pensando disse...

Oi linda, maravilhosa, estressada e morena amiga!!! A primavera chegou!!!
Interessante este artigo sobre essa moça. Não faz muito, certas disfunções neurológicas eram tratadas com choques e ainda te chamavam de louco. Hoje, graças à Deus, já há um entendimento melhor dessas disfunções, e tratamentos são mais fáceis (e indolores). Mas acima de tudo esta na pessoa a chave da cura, ou controle que seja. Saber detalhadamente o qué é, aceitar, tratar-se, saber seus limites e como não transpo-los. Lembra do filme " Uma Mente Brilhante "? Tá tudo ali.
Beijos menina que tá trabalhando demais.